quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Nostalgia de uma infância perdida de Fernando Pessoa e fingimento

Características temáticas

· Identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”)
· Consciência do absurdo da existência
· Recusa da realidade, enquanto aparência (“Há entre mim e o real um véu/à própria concepção impenetrável”)
· Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência
· Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
· Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração.” – Isto)
· Estados negativos: egotismo, solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero
· Inquietação metafísica, dor de viver
· Neoplatonismo
· Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:
- evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e onde não existia o doloroso sentir: “Com que ânsia tão raiva/ Quero aquele outrora!” – “Pobre velha música”
- refúgio no sonho, na música e na noite
- ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível)
- criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”)
· Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem)
· Renovador de mitos
· Parte de uma percepção da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constrói uma analogia entre as duas realidades transmitidas: a visão do mundo exterior é fabricada em função do sentimento interior)
· Reflexão sobre o problema do tempo como vivência e como factor de fragmentação do “eu”
· A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade
· O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi)
· O passado não existe numa relação de continuidade com o presente
· Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade
As temáticas:
O sonho, a intersecção entre o sonho e a realidade (exemplo: Chuva oblíqua – “E os navios passam por dentro dos troncos das árvores”);
A angustia existencial e a nostalgia da infância (exemplo: Pobre velha música – “Recordo outro ouvir-te./Não sei se te ouvi/Nessa minha infância/Que me lembra em ti.” ;
Distância entre o idealizado e o realizado – e a consequente frustração (“Tudo o que faço ou medito”);
A máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar (“Autopsicografia”, verso “O poeta é um fingidor”);ü A intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da arte (exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O que julguei que senti”) ;
O ocultismo e o hermetismo (exemplo: Eros e Psique)
O sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma na obra Mensagem;
Tradução dos sentimentos nas linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável.


Características estilísticas

· A simplicidade formal; rimas externas e internas; redondilha maior (gosto pelo popular) que dá uma ideia de simplicidade e espontaneidade
· Grande sensibilidade musical:
- eufonia – harmonia de sons
- aliterações, encavalgamentos, transportes, rimas, ritmo
- verso geralmente curto (2 a 7 sílabas)
- predomínio da quadra e da quintilha
· Adjectivação expressiva
· Economia de meios:
- Linguagem sóbria e nobre – equilíbrio clássico
· Pontuação emotiva
· Uso frequente de frases nominais
· Associações inesperadas [por vezes desvios sintácticos – enálage (“Pobre velha música”)]
· Comparações, metáforas originais, oxímoros
· Uso de símbolos
· Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar...)

- Coexistem 2 correntes:
- Tradicional: continuidade do lirismo português (saudosismo)
- lírica simples e tradicional – desencanto e melancolia
- Modernista: processo de ruptura - heterónimos
- Pessoa ortóniomo (simbolismo, paulismo, interseccionismo)
Na poesia de Fernando Pessoa como ortónimo coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista.
Alguns dos seus poemas seguem na continuidade do lirismo português outras iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas.
A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência de si implica (como por exemplo no poema Ela canta, pobre ceifeira nos versos “O que em mim sente ‘stá pensando./Derrama no meu coração”).
Fernando Pessoa procura através da fragmentação do “eu” a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora absurda , Chuva oblíqua e Não sei quantas almas tenho (verso “Continuamente me estranho”). O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade, surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que com o fingimento, possibilita a construção da arte.
- Características: - dor de pensar
- angústia existêncial
- nostalgia
- desilusão
- visão negativa do mundo e da vida
- solidão interior
- inquietação perante o enigma inecifrável do mundo
- tédio
- falta de impulsos afectivos de quem já nada espera da vida
- obsessão de análise
- vagos acenos do inexplicável
- recordações da infância
- ceptismo

- Estilo e Linguagem: - preferência pela métrica curta
- linguagem simples, espontânea, mas sóbria
- pontuação (diversidade)
- gosto pelo popular (quadra)
- métrica tradicional: redondilha (7)
- musicalidade


Sinceridade/fingimento

Intelectualização do sentir = fingimento poético, a única forma de criação artística (autopsicografia, isto)
Despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética
Uso da ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade
Crítica de sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na união de contrários
Mentira: linguagem ideal da alma, pois usamos as palavras para traduzir emoções e pensamentos (incomunicável)


Consciência/inconsciência

Aumento da autoconsciência humana
Tédio, náusea, desencontro com os outros (tudo o que faço ou medito)
Tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam o poeta


Sentir/pensar

Concilia o pensar e o sentir
Obsessão da análise, extrema lucidez, a dor de pensar (ceifeira)
Solidão interior, angústia existencial, melancolia
Inquietação perante o enigma indecifrável do mundo
Nega o que as suas percepções lhe transmitem - recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível
Fragmentação do eu, perda de identidade – sou muitos e não sou ninguém à interseccionismo entre o material e o sonho; a realidade e a idealidade; realidades psíquicas e físicas; interiores e exteriores; sonhos e paisagens reais; espiritual e material; tempos e espaços; horizontalidade e verticalidade.


O fingimento poético

A poesia de Fernando Pessoa Ortónimo aborda temas como o cepticismo e o idealismo, a dor de pensar, a obsessão da análise da lucidez, o eu fragmentário, a melancolia, o tédio, a angústia existencial , a inquietação perante o enigma indecifrável do mundo, a nostalgia do mundo maravilhoso da infância.
O Fingimento poético é inerente a toda a composição poética do Ortónimo e surge como uma nova concepção de arte.
A poesia de Pessoa é fruto de uma despersonalização, os poemas “Autopsicobiografia” e “ Isto” pretendem transmitir uma fragilidade estrutural ,todavia, escondem uma densidade de conceitos.
O Ortónimo conclui que o poeta é um fingidor : “ finge tão completamente / que chega a pensar se é dor/ a dor que deveras sente/”, bem como um racionalizador de sentimentos.
A expressão dos sentimentos e sensações intelectualizadas são fruto de uma construção mental, a imaginação impera nesta fase de fingimento poético. A composição poética resulta de um jogo lúdico entre palavras que tentam fugir ao sentimentalismo e racionalização. “ e assim nas calhas de roda/ gira a entreter a razão / esse comboio de corda/ que é o coração”.
O pensamento e a sensibilidade são conceitos fundamentais na ortonímia, o poeta brinca intelectualmente com as emoções, levando-as ao nível da arte poética.
O poema resulta ,então ,de algo intelectualizado e pensado .
O fingimento está ,pois, em toda arte de Pessoa. O Saudosismo que se encontra na obra de Pessoa não é mais do que “vivências de estados imaginários” : “ Eu simplesmente sinto/ com a imaginação/ não uso o coração”.

1 comentário:

g.p disse...

bom trabalho!! apenas deviam tentar dispor de uma melhor forma a informação